Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil
Luciana Santana e Olívia Cristina Perez1
A ausência de coordenação federal, as orientações controversas e as atitudes do presidente impõem limites a uma atuação mais coordenada no âmbito estadual entre prefeitos e governadores. Ao mesmo tempo, tem aberto espaço para o protagonismo dos governos estaduais e para ações mais coordenadas no âmbito regional
Os impactos da pandemia de covid-19 no Brasil seguem na mesma direção de vários países em diferentes continentes, porém estão potencializados por problemas políticos na condução do governo federal como um todo e, especialmente, na gestão da crise atual.
Jair Bolsonaro tem sido alvo de críticas nacionais e internacionais. Um exemplo disso é a publicação do editorial da revista científica Lancet desta semana intitulado: “Covid-19 in Brazil: ‘So what?’” que aponta as ingerências do presidente brasileiro, o vácuo de ações política no âmbito federal para conter o avanço da pandemia, além dos desafios sociais e econômicos que a doença impõe sobre as populações mais vulneráveis no país. A revista ressalta ainda iniciativas da sociedade civil, da comunidade científica e na área da saúde para minimizarem os impactos da pandemia: pesquisas em andamento, da ciência básica à epidemiologia, produção de equipamentos de proteção individual, respiradores e kits de testes. A publicação ressalta a importância da valorização da ciência.
A falta de coordenação federal por parte da Presidência da República tem prejudicado o alinhamento de ações entre os entes federados no combate à pandemia em todo o país, além de produzir sensação de insegurança e incerteza entre a população. Afinal, trata-se de um chefe de Estado, legitimamente eleito, mas que desrespeita abertamente medidas de isolamento recomendadas por autoridades internacionais na área da saúde e do seu próprio Ministério da Saúde. Essa situação levou, inclusive, à demissão do agora ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em plena crise.
Como se sabe, o primeiro caso de contaminação por covid-19 no país foi registrado no dia 26 de fevereiro, e a primeira morte em 16 de março, ambos no estado de São Paulo. Passados menos de três meses desde o primeiro caso, o Brasil já ultrapassa 140.000 casos de contaminados e 10.000 mortes.
Diferentemente do que tem acontecido na maioria dos estados brasileiros, apenas no dia 16 de março — quando houve o registro da primeira morte no país — o governo federal institui um Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 no país. No dia 24 de março essa medida foi alterada por um novo decreto que alterou a estrutura transformando-o em um Centro de Coordenação de Operações, no âmbito do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19.
Além de ter sido uma ação tardia quando comparada às ações dos governos locais, tal medida não surtiu efeito prático porque, em vez de buscar cooperação dos entes federados, o presidente intensificou ataques aos governadores e prefeitos por adotarem medidas de distanciamento social e de bloqueio físico — algo que fizeram conforme orientações científicas e protocolos internacionais.
Esse conflito tem apontado uma novidade na gerência da crise da pandemia centrada na atuação de governadores e prefeitos nas diferentes regiões do país. Em certa medida, essa nova dinâmica pode significar reposicionamentos nas relações de cooperação entre os entes federados.
A ausência de coordenação federal e as orientações controversas do Ministério da Saúde, bem como as atitudes do presidente, impõem limites a uma atuação mais coordenada no âmbito estadual entre prefeitos e governadores no enfrentamento à pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo, tem aberto espaço para o protagonismo dos governos estaduais e para ações mais coordenadas no âmbito regional. Um exemplo são os dos boletins do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, com critérios técnicos e científicos para auxiliar os governos a identificar as medidas a serem adotadas localmente.
Para entender a atuação dos estados brasileiros no combate ao Covid, organizamos uma série de textos que tem como foco os estados, e as ações (e omissões) dos governos estaduais no enfrentamento à pandemia de covid-19 (disponível em https://www.nexojornal.com.br/especial/2020/05/10/Como-os-governos-estaduais-lidam-com-a-pandemia). Buscou-se analisar, de maneira contextualizada, as respostas dos governos estaduais por meio das medidas adotadas, o timing das decisões, as coordenações políticas entre os entes federados, além dos desafios para uma condução bem sucedida da crise nas 27 unidades federativas. Trata-se de um trabalho em rede que vislumbra a execução de uma agenda de pesquisa mais ampla com análises comparadas entre estados e regiões brasileiras.
Para contribuir com essa sistematização foram convidados 47 pesquisadores e pesquisadoras na área da ciência política e áreas afins dos diferentes estados e regiões do país. Os pesquisadores convidados analisaram decretos estaduais e as demais medidas adotadas pelos governos estaduais para o enfrentamento da pandemia em seus estados.
Foi central também o apoio da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), especialmente da sua presidenta, Flávia Biroli e do Nexo Jornal, responsável pela edição e publicação do especial.
1- Luciana Santana é doutora em ciência política pela UFMG (Universidade de Minas Gerais), professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e vice-diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).
Olívia Cristina Perez é doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí) e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).
Texto originalmente publicado no Nexo Jornal no dia 10 de maio: https://www.nexojornal.com.br/especial/2020/05/10/Como-os-governos-estaduais-lidam-com-a-pandemia
Si desea recibir más información sobre las propuestas de formación de CLACSO:
[widget id=”custom_html-57″]
a nuestras listas de correo electrónico.