Os governos estaduais brasileiros e o enfrentamento á Covid-19: O caso do Ceará

 Os governos estaduais brasileiros e o enfrentamento á Covid-19: O caso do Ceará

Comunidade carente no Vila Velha IV Na foto: CrianÁa diante da sujeira na comunidade do Vila Velha IV Foto: Igor de Melo, em 01/04/2011 *** Local Caption *** Publicada em 02/04/2011 – CP

Boletim ABCP Nordeste*

O Ceará é o terceiro estado mais atingido pela COVID-19, com 2684 registros confirmados e 149 mortes até sexta-feira 17 de abril, de acordo com o Ministério da Saúde. A concentração ocorre em Fortaleza, capital brasileira com a maior incidência de casos. A taxa de letalidade no estado chegou a 5,6%, enquanto a taxa brasileira é de 6,3%. O epidemiologista e consultor do Consórcio Nordeste, Antônio Silva Lima Neto, explica que o Ceará conta com uma incidência elevada e letalidade abaixo da média nacional, ao passo que outros estados brasileiros apresentam letalidade alta e baixa incidência, porque estes ainda não detectaram um grande número de casos e não têm passado por uma circulação viral tão intensa quanto a do Ceará. Segundo o doutor em Saúde Coletiva com Pós-Doutorado na Harvard T.H. Chan School of Public Health, existem razões bem objetivas. Fortaleza se tornou um “hub aéreo”, com um grande fluxo de visitantes internacionais; ainda no início da pandemia, houve a circulação precoce de dez pessoas contaminadas; a sazonalidade de viroses respiratórias que ocorre entre fevereiro e março. Mas o fundamental é o fato de o Ceará estar fazendo uma testagem de larga escala. Até dia 9 de abril foram realizados 7 mil testes de pesquisa de vírus. Então, há um número elevado de casos, mas a letalidade não é tão alta. No geral, há um problema sério de subnotificação.

O governo do estado

Como muitos países estão enfrentando desafios sem precedentes com a COVID-19, a pressão sobre os governos é extrema pois o número de casos de pessoas infectadas em todo o mundo continua a crescer vertiginosamente. A pandemia mostra que não se pode combater uma ameaça de tamanha gravidade apenas com os mecanismos tradicionais de mitigação. É preciso, antes de tudo, realizar ações integradas entre os diversos setores da sociedade. Nesse sentido, o Estado cumpre papel fundamental na adoção de medidas para conter a disseminação viral em uma situação caracterizada como de exceção ou “de guerra”, conforme tem sido bastante difundido.

O governo do Ceará vem promovendo uma ampla articulação interinstitucional para conter os efeitos da COVID-19, especialmente a partir do Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus, instituído mediante assinatura do Decreto nº 33.509, de 13 de março, durante reunião com os presidentes dos poderes Legislativo e Judiciário na sede do governo do estado. O Comitê é composto por 25 órgãos públicos e organizações da sociedade civil, tais como: Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual e Federal, Prefeitura de Fortaleza, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Universidade Federal do Ceará (UFC), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), dentre outros.

Em uma das reuniões do Comitê, conduzida pelo governador Camilo Santana, foi aprovado decreto que determina Estado de Emergência de Saúde Pública no Ceará. As ações são coordenadas pela Secretaria de Saúde do Estado e estão relacionadas no documento denominado Plano Estadual de Contingência para Resposta às Emergências em Saúde Pública. O Ceará foi o primeiro estado do Nordeste a elaborar um plano de contingenciamento. As tomadas de decisões são pactuadas entre as instituições e órgãos no âmbito do Comitê.

Segundo o próprio governo, a articulação institucional tem como principal objetivo viabilizar procedimentos de prevenção e controle da doença a partir da identificação de casos suspeitos. Isso é fruto das ações previstas no plano estadual de contingenciamento. Nenhuma testagem seria possível sem que o estado adquirisse insumos ou tivesse capacidade laboratorial. Essas questões são discutidas e resolvidas no âmbito do Consórcio Nordeste, que tem facilitado a ação dos estados, mesmo diante das dificuldades operacionais com o governo federal.

O Ceará tem se antecipado nas ações de combate à pandemia e o faz em áreas que abrangem outros setores. No sistema de saúde pública, o governo suspendeu as férias de todos os servidores de saúde do estado. Também editou decreto que suspende qualquer evento público com mais de 100 pessoas e atividades nas escolas e universidades públicas, recomendando o mesmo às escolas e universidades particulares e ao setor econômico não essencial. Na segurança pública, decretou a suspensão das visitas às unidades prisionais. Essa medida foi tomada a partir de decisão conjunta com o Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário. No mesmo decreto determinou que servidores acima de 60 anos trabalhem em casa, cancelando viagens nacionais e internacionais.

O sistema de saúde

O governo do Estado arrendou um hospital privado com quase 300 leitos, onde se encontram cerca de 75 pacientes internados. O governo municipal ampliou o número de leitos na capital. No principal hospital de traumas foram acrescidas 40 vagas de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), que se somam a dos hospitais privados. Está sendo concluído um hospital de campanha em Fortaleza, com 200 leitos, localizado em um estádio de futebol na área central da cidade. Providências tem sido tomadas para aumentar a capacidade de internação em hospitais privados e na rede hoteleira, para casos de menor gravidade, desafogando as unidades hospitalares. Também estão sendo construídos hospitais de campanha nos estacionamentos dos hospitais Carlos Alberto Studart (Messejana), César Cals e Hospital Geral de Fortaleza (HGF). No total são 600 novos leitos ao custo de R$ 245 milhões.[1]

Além destes equipamentos, há hospitais regionais no interior do estado, com leitos de UTI. O padrão de dispersão espacial do vírus é parecido com o da cidade de São Paulo, que começou nos bairros onde moram os ricos. Neste momento, a preocupação do governo é monitorar a dispersão periférica em Fortaleza e nos municípios do interior. Não existe, ainda, uma situação desconfortável com relação à capacidade instalada da rede assistencial, mas há duas questões centrais: garantir equipamentos de proteção e evitar a contaminação dos profissionais da saúde.

Ciência e Tecnologia

Outra importante frente de atuação governamental ocorre no âmbito da ciência e tecnologia. O governo do Ceará tem se reunido com o Comitê Científico do Nordeste de Enfrentamento ao Coronavírus no intuito de esclarecer dúvidas sobre a pandemia e definir um protocolo de atuação baseado em evidências científicas. As ações definidas vão desde a orientação para estimular a sociedade à produção de máscaras caseiras, passando pela ampliação da testagem dos profissionais de saúde até a adoção de um protocolo unificado de proteção a esses profissionais.

No âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia (SECITECE) estão sendo desenvolvidos projetos em parceria com as universidades, Institutos Federais e empresas. Destacam-se três grandes ações da Secretaria: a recuperação de respiradores, a construção de novos respiradores em parceria com empresas locais e a confecção de equipamentos de proteção individual (EPI´s) a partir das impressoras 3D adquiridas pela Secretaria. Ao todo, já foram entregues 1500 máscaras de acetato para os profissionais de saúde no âmbito do projeto CRIARCE, destinado a empreendedores que desenvolvem novos negócios por meio de inovação, processos colaborativos de criação, compartilhamento de ideias e uso de ferramentas de criação digital.

Também foram destinados recursos, através de bolsas de pesquisa e compra de insumos, aos laboratórios das universidades federal e estadual para estudos sobre o COVID-19, a partir de pesquisas virológicas em andamento nessas universidades. A Fundação Cearense de amparo à Pesquisa (FUNCAP) lançou um edital voltado para ações de enfrentamento à COVID-19. Outro órgão vinculado à SECITECE, o Núcleo de Tecnologia e Qualidade Industrial do Ceará (NUTEC) está realizando análises físico-químicas e cromatográficas para verificar o teor de álcool a 70%. A ação visa garantir que os profissionais de saúde utilizem um produto certificado.

No tocante à iniciativa das universidades, além das atividades acima mencionadas, estão em curso outras que, embora tenham caráter complementar às medidas de saúde propriamente ditas, são de relevância para uma atuação integrada e diversificada no enfrentamento da pandemia:

1. Pesquisa participativa para mapeamento da Covid-19 nos bairros de Fortaleza (Geografia, UFC).

2. Pesquisa “Vulnerabilidade da Economia Cearense ao Covid-19” (Administração, UECE).

3. Pesquisa participativa sobre “Práticas de isolamento social dos moradores de Fortaleza durante a pandemia do Covid-19” (Ciências Sociais, UECE).

4. Monitoramento da qualidade do ar durante o isolamento social (UECE).

5. Produção de 16 mil testes genéticos para a detecção do vírus da covid-19 com resultado entre 24 e 48 horas (UFC, UNIFOR).

6. Desenvolvimento de uma plataforma, com simulador virtual, para treinamento de equipes no uso de respiradores em pacientes com a covid-19 (Escola de Saúde Pública, FUNCAP).

7. Confecção de cartazes para alertar a população dos municípios cearenses sobre os riscos da pandemia com dados específicos sobre habitantes, possível número de infectados e dos que demandam tratamento intensivo, leitos do hospital municipal, etc. (Enfermagem, UECE).

Ações para populações vulneráveis

As maiores vítimas da pandemia são os trabalhadores sub-remunerados, os que vivem de atividades informais, os desempregados e os sem teto por habitarem as áreas mais precárias da capital Fortaleza e de grandes cidades como Juazeiro, Crato, Sobral, Quixadá, Itapipoca e Iguatu.

Para atenuar, em parte, esta situação de desigualdade histórica em meio à crise agravada pelo COVID-19 várias entidades da sociedade civil desenvolvem campanhas para arrecadar recursos financeiros e materiais, além de organizar grupos de cooperação que recebem denúncias e pedidos de ajuda, divulgam informações jurídicas e de saúde coletiva, distribuem cestas de alimentos, remédios, quites de higiene e material de limpeza. Também realizam inspeção dos equipamentos para moradores de rua, aconselham sindicatos de estabelecimentos de ensino particular a reduzir mensalidades e empresas operadoras de planos de saúde a não suspender os serviços, fazem análise de processos judiciais de encarcerado e tiram dúvidas sobre auxílio emergencial.

Apresenta-se a seguir algumas das instituições que tem tido atuação destacada junto aos segmentos populacionais mais vulneráveis:

1. Central Única de Favelas (CUFA-Ceará) – “Programa Favela contra o vírus”.

2. Fundo solidário para as periferias de Fortaleza

3. Pastoral do Povo da Rua

4. Associações de Moradores de Sabiaguaba e Serrinha (AMORBASE)

5. Associação de Catadores de Lixo

6. Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST -CE)

7. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-CE)

8. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB-Ceará)

9. Arquidiocese de Fortaleza – Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos

10. Defensoria Pública do Estado do Ceará

11. Comitê do Sistema Prisional contra a Covid-19

Conclusão

O governo do estado do Ceará tem atuado de forma consistente no enfrentamento à pandemia de COVID-19. As ações estão se dando de forma coesa, articulada e antecipada. Em recente pesquisa encomendada por um grande grupo de comunicação local, foi constatado que as medidas adotadas pelo Governo do Estado são aprovadas por 90% dos entrevistados, contra apenas 5% de desaprovação e outros 5% que não sabem ou não responderam. A pesquisa também aponta que 59% das pessoas desaprova as ações do Governo Federal, enquanto 27% apoia. Isso demonstra que a população compreende o importante papel dos gestores públicos e demais atores envolvidos para o enfrentamento à pandemia.

Os grandes problemas sanitários estão ligados a questões estruturais, como a precariedade da infraestrutura e a pouca presença do poder público nas comunidades mais carentes. A falta de esgoto, de drenagem, de água potável ou de um sistema adequado de coleta de lixo são as principais dificuldades, mas também a aglomeração, causada pela ausência de ordenamento urbano, propiciando o rápido avanço da COVID-19 no Ceará. É bastante comum encontrar barracos ou pequenas casas de um ou dois cômodos, com cinco ou seis pessoas da mesma família. Em uma realidade de extrema vulnerabilidade como essa relatada, não há como as autoridades exigirem medidas de isolamento social.

Uma consideração final diz respeito à rapidez com que o quadro diagnosticado muda. Para efeito, indica-se o endereço da plataforma que apresenta dados atualizados  https://indicadores.integrasus.saude.ce.gov.br/. Os casos de COVID-19 estão sendo apresentados neste boletim segundo a data do início dos sintomas e será a medida padrão utilizada nas análises.


* Gustavo Guerreiro – diretor de pesquisa do CEBRAPAZ, doutorando em Políticas Públicas (UECE), editor de Tensões Mundiais
Horácio Frota – coordenador do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UECE), editor da revista Conhecer, debate entre o público e o privado
Mônica Martins – coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UECE), membro do Conselho Diretor do CLACSO e editora de Tensões Mundiais


[1] Fonte: Governo do estado do Ceará. Disponível em: < https://www.ceara.gov.br/2020/03/30/governo-do-ceara-atende-demandas-do-setor-produtivo-e-anuncia-uma-serie-de-medidas-economicas/>. Acesso em 14 abr. 2020.


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