“As alterações climáticas já não são um fenómeno futuro, estão aqui”

Reflexões de Lígia Amoroso Galbiati sobre os conversatórios no marco do Fórum Múltiplas Dimensões dos Cuidados
Lígia Amoroso Galbiati*
Estamos vivendo em um mundo em catástrofe. As mudanças climáticas já deixaram de ser um fenômeno futuro, descrito apenas em relatórios científicos, com projeções e modelagens. Elas já estão aqui. Em todo o mundo, acompanhamos catástrofes causadas por eventos extremos. No Brasil, vivemos ondas de calor, chuvas torrenciais, secas severas.
Mas o que estamos enfrentando não é apenas uma crise ambiental. É uma crise sistêmica. Ela está profundamente ligada a esse modelo de vida ocidental hegemônico, que se impõe como único e universal. Um modelo de desenvolvimento que depende da exploração de humanos e não humanos para a acumulação de capital, sempre a serviço de um pequeno grupo de homens.
E qual é a cura? Qual o remédio para esse mundo em ruínas? O discurso hegemônico sobre mudanças climáticas aposta em um tipo de tecnosalvacionismo. A crença de que a Ciência Moderna, com suas tecnologias e soluções de engenharia, aliadas ao mercado, será capaz de resolver os problemas que, em grande parte, ela mesma ajudou a criar. Soluções pensadas dentro do mesmo sistema de saberes e de formas de ser no mundo que sustentam essa crise.
Esse discurso está fortemente ancorado em uma lógica binária – e podemos enxergá-lo através de uma lente de gênero. De um lado, os cientistas e burocratas, que aparecem como os salvadores do planeta com suas soluções tecnológicas e mercadológicas. Do outro, as populações vulneráveis, as vítimas – que, não por acaso, são grupos feminilizados e racializados. De um lado, os homens brancos com as soluções. Do outro, mulheres, pessoas negras, indígenas, dissidentes de gênero, populações pobres.
Mas e se rompêssemos com essa lógica? E aqui, falo desde meu lugar de acadêmica: quando fazemos esse movimento, abrimos espaço para enxergar a agência desses grupos marginalizados. Passamos a reconhecer que existem outros imaginários e outras formas de habitar o mundo. Sim, alguns sentirão mais fortemente os impactos da crise climática – mulheres, crianças, idosos, populações negras, indígenas e tradicionais. Mas para além disso, essas pessoas praticam soluções.
Quero destacar, especialmente, o papel dos grupos de mulheres na América Latina e no Caribe. Movimentos que há muito tempo resistem aos ímpetos coloniais e desenvolvimentistas e que, em suas lutas e práticas, nos ajudam a pensar em saídas desse mundo único inventado pela colonialidade. Maristela Svampa chama esses movimentos de feminismos ecoterritoriais.
Ao praticar uma ética do cuidado, ao reconhecer a interdependência e a ecodependência, ao colocar a vida no centro – e não o lucro –, essas mulheres cultivam outra relação com a natureza. Uma relação de pertencimento, e não de exploração.
Hoje, com o acirramento da crise climática, vemos as chamadas soluções tecnológicas e verdes servindo ao mercado, ao lucro e ao capital. Isso tem reconfigurado as fronteiras neoextrativistas. O discurso da transição energética, por exemplo, tem viabilizado a entrada de novas tecnologias nos territórios, atualizando conflitos antigos e criando novos. Aqui no Brasil, os grandes empreendimentos eólicos são um exemplo emblemático disso. E mais uma vez, são grupos de mulheres que estão na linha de frente contra esse modelo predatório de instalação, com o mote “Renováveis, sim, mas não assim”.
Esse embate nos mostra algo fundamental: não basta que a transição energética aconteça, é preciso questionar como ela acontece e para quem. Se a lógica da exploração se mantém, apenas com uma nova roupagem, continuamos alimentando a mesma engrenagem de desigualdade e destruição. É por isso que soluções tecnológicas, sozinhas, não são capazes de enfrentar esse monstro tentacular que estamos encarando. A crise é sistêmica. E por isso, precisamos pensar e agir de forma sistêmica.
Sei que fiz apenas uma breve pincelada sobre um problema profundo, múltiplo e complexo. Mas a mensagem que quero deixar aqui hoje é: não acreditemos que o capitalismo é uma história única. Não aceitemos a barbárie como único caminho possível. Desistir da luta é um privilégio para poucos.
Que nos inspiremos e nos somemos às lutas territoriais. Que possamos cultivar novos imaginários políticos. Que aprendamos com outros tipos de saberes. Que construamos novas formas de convivialidade.
A necessidade de uma transição de mundo é inadiável. E se essa mudança já está em curso, que lutemos para que ela seja justa, inclusiva, popular e feminista.
*Coordenadora da Área de Energia, Gênero e Interseccionalidade da Iniciativa Internacional de Energia do Brasil. Autora, juntamente com Márcia Tait Lima, do estudo realizado em conjunto com a ONU Mulheres: “Gênero e meio ambiente na América Latina e Caribe: um olhar sobre as políticas públicas de ação climática”.
“El cambio climático ya no es un fenómeno futuro, está aquí”
Reflexiones de Lígia Amoroso Galbiati sobre los conversatorios en el marco del Foro Múltiples dimensiones de los cuidados
Lígia Amoroso Galbiati**
Vivimos en un mundo en catástrofe. El cambio climático ya no es un fenómeno futuro, descrito sólo en informes científicos, proyecciones y modelizaciones. Ya está aquí. En todo el mundo asistimos a catástrofes provocadas por fenómenos extremos. En Brasil, estamos sufriendo olas de calor, lluvias torrenciales y graves sequías.
Pero a lo que nos enfrentamos no es sólo una crisis medioambiental. Es una crisis sistémica. Está profundamente vinculada a este modelo de vida occidental hegemónico, que se impone como único y universal. Un modelo de desarrollo que depende de la explotación de humanos y no humanos para la acumulación de capital, siempre al servicio de un pequeño grupo de hombres.
¿Y cuál es la cura? ¿Cuál es el remedio para este mundo en ruinas? El discurso hegemónico sobre el cambio climático se basa en una especie de tecnosalvacionismo. La creencia de que la Ciencia Moderna, con sus tecnologías y soluciones ingenieriles, aliada al mercado, podrá resolver los problemas que, en gran medida, ella misma contribuyó a crear. Soluciones concebidas dentro del mismo sistema de conocimientos y formas de estar en el mundo que sustentan esta crisis.
Este discurso está fuertemente anclado en una lógica binaria, y podemos verlo a través de una lente de género. Por un lado, los científicos y burócratas, que aparecen como los salvadores del planeta con sus soluciones tecnológicas y de mercado. Por otro, las poblaciones vulnerables, las víctimas, que no por casualidad son grupos feminizados y racializados. Por un lado, los hombres blancos con soluciones. Por otro, las mujeres, los negros, los indígenas, los disidentes de género, las poblaciones pobres.
Pero, ¿y si rompemos con esta lógica? Y aquí hablo desde mi posición de académica: cuando hacemos este movimiento, abrimos espacio para ver la agencia de estos grupos marginados. Empezamos a reconocer que existen otros imaginarios y otras formas de habitar el mundo. Sí, algunos sentirán más los impactos de la crisis climática: las mujeres, los niños, los ancianos, las poblaciones negras, indígenas y tradicionales. Pero más allá de eso, estas personas están practicando soluciones.
Me gustaría destacar especialmente el papel de los grupos de mujeres en América Latina y el Caribe. Movimientos que llevan mucho tiempo resistiendo a los impulsos coloniales y desarrollistas y que, en sus luchas y prácticas, nos ayudan a pensar en formas de salir de este mundo único inventado por la colonialidad. Maristela Svampa llama a estos movimientos “feminismos ecoterritoriales”.
Al practicar una ética del cuidado, al reconocer la interdependencia y la ecodependencia, al poner la vida en el centro -y no el beneficio-, estas mujeres cultivan una relación diferente con la naturaleza. Una relación de pertenencia, no de explotación.
Hoy en día, a medida que se agrava la crisis climática, vemos las llamadas soluciones tecnológicas y ecológicas al servicio del mercado, del beneficio y del capital. Esto ha reconfigurado las fronteras neoextractivistas. El discurso de la transición energética, por ejemplo, ha permitido la entrada de nuevas tecnologías en los territorios, actualizando viejos conflictos y creando otros nuevos. Aquí en Brasil, los grandes parques eólicos son un ejemplo emblemático de ello. Y una vez más, los grupos de mujeres están en primera línea contra este modelo de instalación depredador, con el lema “Renovables, sí, pero no así”.
Este enfrentamiento nos muestra algo fundamental: no basta con que se produzca la transición energética, hay que cuestionarse cómo se produce y para quién. Si se mantiene la lógica de la explotación, sólo que con un nuevo disfraz, seguimos alimentando la misma maquinaria de desigualdad y destrucción. Por eso, las soluciones tecnológicas por sí solas no son capaces de hacer frente al monstruo tentacular al que nos enfrentamos. La crisis es sistémica. Y por eso necesitamos pensar y actuar sistémicamente.
Soy consciente de que sólo he tocado brevemente un problema profundo, múltiple y complejo. Pero el mensaje que quiero dejar hoy aquí es: no creamos que el capitalismo es una historia única. No aceptemos la barbarie como único camino posible. Abandonar la lucha es privilegio de pocos.
Que nos inspiremos y nos unamos a las luchas territoriales. Que cultivemos nuevos imaginarios políticos. Que aprendamos de otros saberes. Que construyamos nuevas formas de convivencia.
La necesidad de una transición mundial es ineludible. Y si este cambio ya está en marcha, luchemos para que sea justo, inclusivo, popular y feminista.
**Coordinadora del Área en Energía, Género e Interseccionalidad del International Energy Initiative de Brasil. Autora junto a Márcia Tait Lima del estudio realizado en conjunto con ONU Mujeres: “Género y ambiente en América Latina y Caribe: una mirada a las políticas públicas para la acción climática”.
Si desea recibir más información sobre las propuestas de formación de CLACSO:
[widget id=”custom_html-57″]
a nuestras listas de correo electrónico.