Apoio ao Quilombo Conceição, no município de Salinas da Margarida, Bahia

 Apoio ao Quilombo Conceição, no município de Salinas da Margarida, Bahia

O Quilombo de Conceição de Salinas é uma comunidade de pescadores e pescadoras artesanais, agricultores e extrativistas localizada na baía de Todos os Santos, no Recôncavo Baiano, que tem empreendido esforços para a garantia da identificação, delimitação e titulação de seu território tradicional, e proteger o belíssimo ecossistema dos manguezais onde está localizado. Com o crescente processo de organização comunitária e reivindicação de seus direitos, o Quilombo conquistou importantes avanços para a regularização fundiária e reconhecimento de seu território tradicional.

E nesse processo, agora vive uma sistemática ofensiva contra a sua existência, com agressões físicas, ameaças às lideranças, publicações discriminatórias nas redes sociais da prefeitura local, depredação dos patrimônios da comunidade e contestações jurídicas da certificação da comunidade pela Fundação Palmares, promovidas por agentes locais, tanto privados como públicos, com interesse no uso do território da comunidade para a instalação de empreendimentos imobiliários (loteamento Parque das Margaridas, denunciado por burla no processo de licenciamento ambiental por fracionamento do empreendimento).

É importante relatar que tais contestações jurídicas estão fundamentadas em publicações científicas realizadas em revistas sem qualificação na área do conhecimento, que tentam dar coro à tese de que em Salinas da Margarida nunca houve evidências da existência de quilombos no período da escravidão e que, portanto, não seria possível considerar a comunidade de Conceição como remanescentes de quilombo. Tais publicações, de métodos etnográficos e historiográficos estapafúrdios e interpretações enviesadas da literatura científica, caminham na contramão de matéria há muito pacificada sobre a garantia do direito à autoidentificação dos povos, tanto no campo das Ciências Sociais, da História, como para todo o arcabouço legal que baliza e orienta as ações das instituições públicas de competência.

O desrespeito e violência ao Quilombo de Conceição tem expressão máxima quando a própria prefeitura de Salinas da Margarida, aproveitando-se do difícil contexto de pandemia devido ao COVID-19 (cujos povos pretos são prioritariamente afetados), faz publicação oficial em sua rede social contestando a existência de remanescentes de quilombo no município, declarando não reconhecer qualquer comunidade quilombola em seu território, suscitando dúvidas ao público local se haveria o município a obrigação de cumprir a priorização deste grupo social na agenda de imunização, conforme determinava o Ministério da Saúde.

Ademais, um dos jornais de maior circulação no estado da Bahia, o Jornal A Tarde, publica ainda matéria na coluna O Carrasco corroborando a postura da prefeitura de Salinas da Margarida, afirmando que “mais uma vez comprova-se que na Baía de Todos os Santos não existem remanescentes, até porque se eles existissem teriam sido comidos pelos índios”. O jornal finaliza ainda a coluna taxando a comunidade de “quilombolas fake” e “verdadeiros membros do tráfico de drogas”.

Condenamos categoricamente qualquer ofensiva ao direito de autodeterminação do Quilombo de Conceição ou qualquer iniciativa que ameace a identidade, o bem viver, a autonomia e o livre usufruto do território pela comunidade. O Grupo de Trabalho CLACSO Ecología(s) Política(s) desde el sur/Abya-Yala reafirma que não há lastro técnico e científico que justifique a contestação da identidade quilombola de Conceição e que, diante das graves violências e violações aos direitos da comunidade, faz-se necessário que as instituições públicas competentes, tais como o INCRA, IBAMA, INEMA, Polícia Federal, Secretaria do Patrimônio da União e os Ministérios Públicos Federal e Estadual empreendam esforços urgentes para:

1) a célere implementação da regularização fundiária da área do TAUS,

2) a célere elaboração do RTID e titulação do território;

3) a fiscalização ambiental do empreendimento Parque das Margaridas; e

4) a responsabilização de todos os agentes que atacam a honra e a imagem das lideranças comunitárias e violam os direitos do Quilombo Conceição.

Por fim, o Grupo de Trabalho CLACSO Ecología(s) Política(s) desde el sur/Abya-Yala vem, publicamente, demonstrar total apoio ao Quilombo Conceição de Salinas e ratificar a importância da proteção dos remanescentes de quilombo para o Estado Brasileiro, não só como sujeitos de direitos mas também por serem grandes responsáveis por manter o bem-estar social, salvaguardar o meio ambiente, produzir agrobiodiversidade, garantir a segurança alimentar nacional, combater as mudanças climáticas, proteger e manter patrimônios materiais e imateriais de relevante importância para o país e perpetuar racionalidades e modos de vida mais solidários e harmônicos com o meio ambiente.

A situação de tensão em Salinas da Margarida também está presente em outras comunidades quilombolas do Recôncavo e por toda a baía de Todos os Santos, como recentes ataques contra mulheres lideranças comunitárias da Ilha de Maré.

Expressamos solidariedade a estas mulheres, em especial à liderança Eliete Paraguassu, diante de recentes ataques, agressões e difamações.

20 de agosto de 2021
Grupo de Trabalho CLACSO
Ecología(s) política(s) desde el sur/Abya-Yala

Este pronunciamiento expresa la posición del Grupo de Trabajo Ecología(s) política(s) desde el sur/Abya-Yala y no necesariamente la de los centros e instituciones que componen la red internacional de CLACSO, su Comité Directivo o su Secretaría Ejecutiva.