Mulheres se opõem à barbárie de Cláudio Castro e o balanço da operação segue em aberto

Por Josué Medeiros[i]
Passada uma semana da barbárie perpetrada pelo governo Cláudio Castro no Rio de Janeiro, além da dor e do medo, há que se enfrentar o desafio de analisar os efeitos políticos do ocorrido. De lá para cá, a extrema-direita usou o evento para se reunificar e sair da defensiva. A mídia empresarial, por sua vez, vem reverberando essa visão, apresentando números de diversas pesquisas que comprovam o apoio popular à ação da PM, o fortalecimento da popularidade do governador fluminense e um governo Lula na defensiva.
De fato, a fotografia do momento é de apoio popular à “megaoperação” no Rio de Janeiro. Mas, mesmo com esse apoio, há muita água passando debaixo da ponte, indicando que as disputas políticas em torno desse tema estão mais em aberto do que supõe o debate na mídia e do que gostariam os governadores da extrema-direita, especialmente quando analisamos o recorte de gênero. Observar a diferença de posição entre mulheres e homens evidencia ainda mais as disputas simbólicas e de visão de mundo hoje em curso no Brasil — tanto na política em geral quanto no tema da segurança em particular.
O instituto Atlas foi o único que divulgou uma pesquisa com alcance nacional. Seu campo foi realizado em 29 e 30 de outubro, imediatamente após os eventos, ocorridos em 28 de outubro. Em sua amostra, as mulheres somam 48,5% e os homens, 51,5%, embora elas representem 53,6% do eleitorado e eles, 46,4%. A Atlas mostra que 55,2% das pessoas aprovam a ação e 42,3% desaprovam. Esses números, por si, já revelam que o apoio a esse tipo de ação violenta não é tão avassalador quanto parece em um primeiro momento, indicando que há espaço para disputar uma visão alternativa de segurança pública. Quando se observa o recorte de gênero, essa hipótese se fortalece: a maioria das mulheres desaprova a operação, com 50,2% manifestando essa posição contra 48,1% que aprovam; já entre os homens, o apoio foi de 61,9%, contra 34,3% de rejeição.
O mesmo padrão se repete em outras perguntas da Atlas. Para 52,5% das pessoas entrevistadas, o nível de violência foi adequado, enquanto para 45,8% foi excessivo. A maioria das mulheres (49,4%) acha que foi excessiva, com 48,6% que a veem como adequada — o que se inverte entre os homens, com 56,4% entendendo que foi adequada contra 42,3% que a consideram excessiva.
A posição que entende que a operação teve impacto positivo na segurança não alcançou a maioria da população: 42,4% (sendo 26,1% com impacto muito positivo e 16,3% com impacto positivo), contra 18,8% que percebem pouco ou nenhum impacto e 34,8% que consideram o impacto negativo (sendo 20,1% muito negativo e 14,7% negativo).
As mulheres são as mais críticas: quase metade apontou que o impacto foi negativo, somando 45,4% (sendo 27,5% muito negativo e 17,9% negativo), enquanto 8,5% entendem que teve pouco ou nenhum impacto e 39,1% avaliam que o impacto foi positivo (sendo 16,9% muito positivo e 22,2% positivo). Já entre os homens ocorre o oposto: quase metade acredita que o impacto foi positivo, chegando a 45,5% (sendo 35,5% muito positivo e 10% positivo), contra 23,4% que consideram negativo (sendo 11,6% muito negativo e 11,8% negativo) e 30,3% que veem pouco ou nenhum impacto.
No mesmo sentido, a maioria das pessoas entende que o principal objetivo do governo do estado foi obter ganho político (42%), contra 39,3% que acreditam que essa é a melhor forma de combater o crime e 17,6% que veem ambos os objetivos como alcançados pelo governador fluminense. Novamente, as mulheres são mais críticas: 49,2% afirmam que o objetivo foi o ganho político. 41,2%, por sua vez, consideram essa a melhor forma de combater o crime e 9,2% que apontam os dois objetivos. Entre os homens, o cenário se inverte: 34,4% apontam o ganho político, 37,2% veem a melhor forma de combater o crime e 26,4% entendem que ambos os objetivos foram alcançados.
O recorte de gênero também mostra as possibilidades de disputa quando o segmento pesquisado é apenas a população do Rio de Janeiro. A pesquisa Quaest, que foi a campo em 30 e 31 de outubro apenas no território fluminense e segmentou sua amostra com 53% de mulheres e 47% de homens — mais fiel ao perfil do eleitorado —, reforça esse padrão. Segundo esse instituto, a operação teve 64% de aprovação, 27% de desaprovação e 6% de pessoas que não aprovam nem desaprovam. A aprovação cai para 51% entre as mulheres e sobe para 79% entre os homens. A desaprovação é de 36% entre as mulheres e apenas 17% entre os homens, com 8% delas e 4% deles que nem aprovam nem desaprovam.
Na mesma direção, 58% consideram a operação um sucesso, 32% um fracasso e 6% responderam “depende”. As mulheres são mais críticas, com 43% afirmando que foi um sucesso, 44% que foi um fracasso e 7% que depende; os homens, mais entusiastas, com 73% considerando um sucesso, 19% um fracasso e 8% que depende.
Outra questão importante foi sobre a sensação de segurança: no total, 52% das pessoas acham que o Rio está menos seguro e 35% acham que está mais seguro. A percepção de insegurança sobe para 60% entre as mulheres e cai para 44% entre os homens, enquanto a visão de maior segurança cai para 26% entre as mulheres e sobe para 45% entre os homens.
Por fim, para 54% dos entrevistados, o governo do estado fez a operação para combater o crime organizado, e para 40%, para ganhar popularidade. Mais uma vez, as mulheres são mais críticas: 45% viram o objetivo de combater o crime e 47% perceberam uma ação voltada a ganhar popularidade — percepção que se inverte entre os homens, com 63% apontando o combate ao crime e 33% o ganho de popularidade.
Enfim, os sentidos de uma operação com esse nível de violência e de exposição midiática e nas redes sociais ainda estão em aberto. Se a fotografia do momento mostra que a firmeza do governo estadual foi bem recebida, a abjeta comemoração de mortes por parte da extrema-direita tende a ser rejeitada, especialmente pelas mulheres. Elas constituem um segmento majoritariamente refratário à violência e mais aberto a uma política de segurança pública baseada na inteligência, com foco em atingir as operações financeiras e os criminosos ricos que mais lucram com toda essa situação.
Se o governo Lula for capaz de desencadear uma operação contra as facções do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, como fez com o principal grupo criminoso de São Paulo no dia XX, poderá aprofundar essa disputa política não apenas visando as eleições de 2026, mas principalmente a construção de um Brasil mais justo, solidário e seguro.
[i] Josué Medeiros. Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB). Diretor de pesquisa, ensino e formação da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLCMF). Artigo publicado originalmente em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/mulheres-se-opoem-a-barbarie-de-claudio-castro-e-o-balanco-da-operacao-segue-em-aberto/.